“No Calvário se escondia tua divindade, mas aqui também se esconde tua humanidade”, canta a Igreja em texto de Santo Tomás de Aquino, acrescentando “Venha a fé, por suplemento, os sentidos completar”. O mais visível dos sinais sacramentais é, paradoxalmente, o mais invisível. No Pão não se contempla nem a humanidade nem a divindade do Senhor, mas nele contemplamos sua Presença: é o Senhor!.
A festa litúrgica de Corpus Domini (popularmente Corpus Christi) está ligada a uma série de visões, revelações pessoais e milagres eucarísticos acontecidos no século XIII. A causa principal foi a reafirmação de presença real do Senhor no Pão consagrado frente a doutrinas que a colocavam em dúvida. Em 1246 foi instituída como festa na diocese belga de Liège, a pedido da mística Juliana.
Muitas vozes suplicavam que Roma aprovasse uma festa que demonstrasse pública e festivamente a fé católica na presença real. A causa próxima foi o “Milagre de Bolsena", em 1263, quando, nessa cidade um padre, Pedro de Praga, duvidara da transubstanciação. Quando ele se preparava para distribuir a comunhão, da Hóstia escorreram gotas de sangue que mancharam de vermelho a toalha. Como o Papa Urbano IV residia em Orvieto, cidade próxima, foi-lhe mostrada a toalha, o que o deixou impressionado. Após muita reflexão, um ano depois declarou que foi milagre.
Assim, atendendo aos apelos da Igreja, em 8 de setembro de 1264 instituiu a Festa de Corpus Domini para toda a Igreja. A seu pedido, São Tomás de Aquino compôs as inspiradas orações e os hinos dessa Liturgia, da qual cantamos sempre o “Tão sublime Sacramento”.
Após a morte de Urbano IV, a celebração da festa do Corpus Domini limitou-se a algumas regiões da França, Alemanha, Hungria e Itália Setentrional. Foi em 1317 que o Papa João XXII restaurou-a para toda a Igreja. Desde então, a festa teve um desenvolvimento extraordinário, e continua sendo especial no coração dos católicos.
Diante do grande e humilde mistério da Eucaristia somos convidados a manifestar nossa alegria externamente. Nossa gratidão nos impele a prestar homenagem pública de amor a Cristo Pão da Vida.
A Hóstia é uma Presença, a Presença do Cristo ressuscitado. Ao passar pelas ruas de cidades e vilas, aclamada pelos crentes que, na delicadeza da fé, lhe oferecem tapetes de flores, de cores, sua Presença se une à nossa presença e à presença em todo o universo. Não há lugar onde o Ressuscitado não esteja, em todos os tempos e lugares a Eucaristia e celebrada.
Eucaristia – encontro e comunhão
De tal modo nos sentimos unidos ao Senhor que, durante a Missa afirmamos que vamos “receber a Comunhão”. O horizonte dessa Comunhão se amplia, dilata, expande num raio sem limites, escreveu Paulo VI em 1969. É uma Comunhão dupla: com Cristo e entre nós que, nele, nos tornamos irmãos. É Comunhão com nossos irmãos, com a comunidade, com a Igreja: “Assim como há um só pão, nós, que somos muitos, formamos um só corpo, pois todos participamos do mesmo pão” (1Cor 15,17).
Na Eucaristia nosso encontro-comunhão com Deus é total: nada se interpõe entre nós e ele. Podemos dizer que é momento de Parusia, de vinda gloriosa do Senhor, de fim dos tempos. De certo modo, a cada celebração da Eucaristia acontece o que professamos no Creio: “e de novo há de vir para julgar os vivos e os mortos”. Ao final da Consagração o povo reunido reza, fervorosamente “Vinde, Senhor Jesus!”. E o Senhor vem ao nosso encontro na Comunhão. Nesse encontro aceitamos ser julgados: Cristo divino e humano une-se aos horrores da história, às nossas divisões e competições, ao nosso egoísmo, e também às alegrias e generosidades da humanidade que se une à liturgia celeste: “O nosso coração está em Deus”. Agostinho repetia que a Igreja é a prostituta que Cristo não cessa de lavar em seu sangue, o sangue eucarístico, para dela fazer a Esposa sem mancha. Nós somos os prostitutos que, tomando a Carne e o Sangue do Senhor, somos lavados em nossa interioridade e nos tornamos novas criaturas, renascemos.
O historiador francês, Henri Marrou, quando lhe perguntavam “ virá logo o fim dos tempos, a Parusia?”, respondia: “Não, não creio que será amanhã, mas sei que acontecerá hoje!”. Na Eucaristia.
A potência de Cristo é tão imensa que também na Eucaristia – segundo seu estilo de Belém, de Nazaré, do Calvário – esconde as mais sublimes realidades sob as aparências tão humildes do pão e do vinho que, desse modo, se tornam acessíveis a todos nós. Esse Sacramento é sinal de que Cristo Senhor quer ser nosso alimento, nossa comida, geradora de vida interior para todos nós e, em nós, aplica os frutos da Encarnação: “O Filho de Deus, de certo modo, uniu-se a cada homem” (GS 22).
No pão e no vinho Cristo, em sua humildade, se reparte para todos nós. Nossa resposta é a fraternidade em torno da mesa universal onde, unidos com Cristo, oferecemos uma grande Ceia ao Pai e a seus filhos. Assim, a festa do Corpo do Senhor é também a festa da Humanidade divinizada na Eucaristia.
Pe. José Artulino Besen*
http://pebesen.wordpress.com/
*O Autor, Pe. José Artulino Besen é historiador eclesiástico, professor de História da Igreja no Instituto Teológico de Santa Catarina – ITESC desde 1975 e pároco na paróquia Nossa Senhora Aparecida, Procasa, São José(SC).