Por Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho
Caracteriza o tempo quaresmal a preparação para a Páscoa. É um período privilegiado que leva o cristão a penetrar fundo no sentido e no valor de sua dignidade de filho de Deus, destinado a uma eternidade repleta de felicidade na Casa do Pai, porque remido pelo sangue de Cristo. Cumpre então à imersão na grande misericórdia divina e isto torna o discípulo de Jesus ainda mais misericordioso com o próximo.
Três meios se fazem, porém, necessários para que se atinjam tão grandiosos objetivos: a prece, o jejum e a esmola. Não se trata de multiplicar as orações, mas de rezar ainda melhor as preces de cada dia, havendo, sobretudo, uma participação mais fervorosa nas Missas dominicais, numa atenção completa às leituras, cânticos, preces, homilia, coroando esta atitude com a comunhão no Corpo do Senhor. Sempre que possível, se unir, outrossim, aos irmãos nas preces da Via Sacra. É preciso aguçar, o dia todo, a consciência da presença de Deus, “no qual nós existimos, movemos e somos” (Atos 17,28).
A tudo isto se acrescente a valorização da oração em família: o terço ou um mistério do terço, leitura em comum da Bíblia, ainda que por poucos instantes. Uma tranqüila caminhada contemplando as maravilhas que Deus espalhou por toda parte, percebendo a beleza das árvores, o perfume das flores, o cântico dos pássaros ocasiona um notável bem-estar psicossomático. Estar atento às inspirações do Espírito Santo que vem a cada um com gemidos inenarráveis (Rm 8,26) Adite-se o jejum, prescrito, apenas para a quarta-feira de cinzas e a sexta-feira da paixão, mas sinalizando o espírito de penitência próprio da quaresma e se desdobrando em outros aspectos, como a fome e sede de Deus, do Deus vivo.
É preciso o jejum da televisão, ou seja, abstenção total de todos os programas que atentam contra os mandamentos divinos. Muitos, depois, não regressam mais às diabólicas novelas, aos filmes pornográficos. Jejum do medo, da insegurança do pânico, causados pela falta de confiança no Ser Supremo. Jejum da violência em palavras e obras, num cultivo aprimorado da paciência, da bondade, da mansidão, da brandura.
A isto se alia a mortificação e inúmeros são aqueles que se aproveitam desta temporada de graças especiais para acertar o peso e entrar no ritmo de uma dieta sadia, salutar para o corpo e a alma. Horário rígido para as refeições preconizadas pelos bons nutricionistas e nada de guloseimas que só servem para satisfazer a gula, prejudicando a saúde. Aqueles que abusam das bebidas alcoólicas iniciam uma nova etapa em suas vidas e se libertam definitivamente do vício. O mesmo se diga do cigarro que antecipa a morte de inúmeros escravos do tabagismo. Uma resolução firme atinente a esta caminhada quaresmal já significou para um sem números de pessoas o raiar de uma liberdade de efeitos imponderáveis nas suas existências.
As obrigações diárias executadas com mais dedicação, eficiência e perfeição se tornam outra modalidade de mortificação suscitada pela quaresma. A cruz de cada dia carregada com mais paciência. Colocar em ordem a casa, os lugares de trabalho.
Época também de maior fraternidade numa ajuda oportuna aos pobres. Uma abertura para a vida dos semelhantes que passam por graves privações e uma luta sem tréguas contra o aborto e a eutanásia. O perdão cordial a todos que se mostraram menos polidos ou que chegaram mesmo a ofensas que magoaram. Ser um samaritano secreto, fazendo o bem a todos sem trombetear por saber que Deus viu o bem realizado e isto basta.
Conduzir a muitos para uma boa confissão, convertendo os pecadores. Fazer um pacto com a própria língua para não deslustrar a honra alheia e só proclamar o que o outro apresenta de bom e virtuoso, desculpando sempre os que erram, evitando as críticas demolidoras. Ser caridoso consigo mesmo, combatendo a baixa estima e valorizando os dons que cada um possui. Partilhar a própria a fé com os que se acham nas ondas da dúvida, das incertezas que martirizam e confundem. Rezar com ardor pela paz neste mundo conturbado, agitado por tantas turbulências.
Para que tudo isto aconteça é de bom alvitre no final de cada dia examinar a consciência. Coragem, energia são os elementos basilares que evitarão o desânimo, o desleixo, o retrocesso.
Então, sim, marco luminoso será esta quaresma na vida de cada um, penhor de santificação e salvação.
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CÔN. JOSÉ GERALDO VIDIGAL DE CARVALHO. Apostolado Veritatis Splendor: SANTIFICAR-SE NA QUARESMA. Disponível em http://www.veritatis.com.br/article/4770. Desde 08/02/2008.