Eu vi, você viu, todos os dias vemos profissionais e até religiosos colocarem suas habilidades em leilão. E todos têm uma explicação para sua opção de mudar.
Aqui e acolá deparamos com alguém que deu a palavra e a cumpre, até mesmo com gigantescas perdas de oportunidade.
O famoso técnico Murici Ramalho fez isso, quando, convidado pela CBF a assumir a Seleção Brasileira de Futebol, alegou sua palavra dada ao clube que apenas assumira. Há muitos outros testemunhos em universidades, partidos políticos, igrejas e corporações. São pessoas confiáveis que jamais irão embora só porque o outro lado oferece mais fama, mais dinheiro ou a maior proposta de sua vida… A palavra que deram os obriga. Perdem em oportunidade, mas ganham em credibilidade.
Nosso tempo pragmático, voltado para o sucesso individual, com sua doutrina de agarrar as oportunidades não está pronto para entender alguém que, podendo ganhar três milhões por mês, prefere continuar com o seu milhão, porque o contrato não terminou… É visto como abobalhado ou, no mínimo, sujeito sem ambição. Nossa era capitalista e vazada em ideologias de sucesso, considera a ambição o motor numero um do progresso da pessoa e de um povo.
Por isso, o jogador de futebol, o radialista e apresentador, o artista, o religioso muda de grupo ou de igreja. Como só Deus pode julgar as intenções fica tudo entre ele e Deus. Mas o que vasa nos noticiários e muitos o confirmam em entrevistas é que pesou a chance de “ganhar mais” na Europa ou na outra emissora. Pesou a chance de ir mais longe com o seu talento ou com sua palavra e atingir mais pessoas.
Talvez fosse a isto que Jesus se referia quando perguntou de que adiantaria um sujeito ganhar o mundo inteiro se, no processo de vencer o mundo, ele perdesse a alma. E concluiu perguntando quanto uma pessoa está disposta a pagar pelo resgate da sua alma, vale dizer, seus princípios. (Mt 16,26)
Pergunta poderosa, porque para conseguir fortuna, sucesso e reconhecimento milhares não hesitam em faltar à palavra dada. Isso de prometer e cumprir tem a ver com o mais recôndito da alma. Por isso, Jesus pergunta se alguma coisa vale mais do que isso. Era Jesus ensinando fidelidade, mesmo à custa de perder. E é por isso que ele fala em salvar e perder a vida (Mt 16,25)
Entre perdas e ganhos, está a coerência. Se alguém acha que ser coerente é agarrar todas as chances de vencer na vida estará seguindo uma filosofia não cristã. Se entender que a coerência pode significar perdas substanciais de sucesso e dinheiro porque houve um juramento anterior e uma palavra dada, estará seguindo a mensagem cristã. Jesus questiona duramente a busca desenfreada dos primeiros lugares. (Mt 19,30; 23,6).
Diga-se o mesmo com relação ao casamento e às promessas da fé. Isso não significa que todo aquele que não conseguiu segurar seus votos ou seu casamento são pessoas infiéis ou em busca de vantagens ou mais valia. Cada caso é um caso. Mas não foram e não são poucos os que decidiram ir embora em função de si. O mundo ou a outra pessoa ofereciam mais gratificação.
Herbert Marcuse em Eros e Civilização esmiúça estas atitudes. Há uma enorme diferença entre gratuidade e gratificação. O mundo de hoje canonizou a gratificação. Desde que a pessoa esteja satisfeita, o resto não importa… Foi esta mentalidade que gerou a “era do quem dá mais” vale dizer: talentos em leilão.
Errado? Certo? O que você ensinará ao seu filho que ganhou uma bolsa de estudos? Fará como um engenheiro que estudou na Alemanha por seis anos e, depois de sustentado por 72 meses pela empresa que apostou no seu talento, seis meses depois da volta “chutou o pau da barraca”… A firma concorrente ofereceu salário de 12 mil contra os 6 mil que ele recebia. Esqueceu aquém o formara… Os amigos o aplaudiram. Todos eles fariam o mesmo, exceto a namorada que terminou o relacionamento. O que garantia que ele não seria infiel a ela se aparecesse outra que lhe prometesse mais?
Pe. José Fernandes de Oliveira – (Pe. Zezinho, scj)
Escritor, compositor e cantor,
pertencente à Congregação dos Padres do Sagrado Coração de Jesus (Dehonianos)