Quando o vizinho se torna irmão
A Colômbia foi, durante excessivos anos, um país confundido pelo mundo com apenas uma das suas múltiplas realidades: a da dramática guerra interna sofrida pela nação como refém de algumas das mais poderosas organizações de narcotráfico da história.
Aos poucos, nosso vibrante país vizinho tem se reapresentado, a nós e ao mundo, como muito maior do que isso. A Colômbia tem crescido em sua economia, em seus indicadores sociais, em sua qualidade de vida e em sua decisão nacional de alcançar a paz com justiça.
Mas ainda faltava espaço em nossa mídia, sempre ocupada com os lados mais sombrios e mesquinhos da realidade, para que nós, brasileiros, conhecêssemos com um pouco mais de clareza os nossos vizinhos do noroeste. E muitos brasileiros ficaram emocionados ao descobrir, em meio à tragédia da Chapecoense, que, muito mais do que vizinhos pouco conhecidos, os colombianos são nossos irmãos de coração.
Na noite desta quarta-feira, 30 de novembro, no horário marcado para o jogo de ida entre Chapecoense e Atlético Nacional pela final da Copa Sul-Americana, o time colombiano ofereceu ao brasileiro uma homenagem à altura das 71 vítimas fatais, dos 6 sobreviventes e de todos aqueles que, familiares, amigos ou “apenas” seres humanos solidários, também foram vítimas da tragédia.
Vestindo branco e segurando velas e lanternas de celulares, 52 mil torcedores do Atlético Nacional lotaram o estádio Atanasio Girardot, de Medellín, transformados com sentida sinceridade em autênticos torcedores da Chapecoense – equipe com a qual compartilham até as cores verde e branca. Da chuva de flores lançada pelos torcedores ao gramado até o arrepiante canto “Vamo, vamo, Chape“, que ressoava com sotaque castelhano e com força nas arquibancadas, o evento foi um gesto de humanidade e fraternidade capaz de provar que o jogo bonito quer continuar.
A cerimônia começou com 71 pombas brancas sendo soltas no céu da cidade e prosseguiu com um minuto de silêncio em memória dos falecidos, justamente às 21h45, horário em que começaria a partida. Fora do estádio, enquanto o elenco do Atlético Nacional subia ao gramado em silêncio e vestido de preto, as ruas cada vez mais lotadas completavam uma homenagem cujas proporções impressionaram, surpreenderam e fizeram chorar não só de emoção e tristeza, mas de gratidão e esperança.
A Orquestra Sinfônica de Medellín tocou o hino da Colômbia e o do Brasil, muito aplaudido pelos nossos vizinhos irmãos. Entre faixas proclamando que “O futebol não tem fronteiras” e que “Nasce uma nova família”, o discurso de José Serra, ministro de Relações Exteriores do Brasil e representante do país na cerimônia, retribuiu ao enorme abraço colombiano com palavras inspiradas, que fizeram o estádio chorar e aplaudir frequentemente:
“Obrigado, Colômbia. De coração, muito obrigado. Neste momento de muita dor para todos nós, as expressões de solidariedade que aqui encontramos, como a solidariedade de cada um de vocês, colombianos e torcedores, nos oferecem um consolo imenso. Uma luz quando todos estamos tentando entender o incompreensível. Os brasileiros jamais esquecerão como os colombianos sentiram como seu próprio o terrível desastre que interrompeu o sonho desse heroico time da Chapecoense, uma espécie de conto de fadas com final trágico. Assim como não esqueceremos a atitude do Atlético Nacional e de todos os torcedores que pediram que o título da Copa Sul-Americana fosse para a Chapecoense. Um gesto que honra o esporte de toda a Colômbia e honra essa querida Medellín, e que torna ainda maior o Atlético de Medellín. Depois do ocorrido, o Brasil viu uma dura realidade de uma festa que não existiu, em um jogo histórico que não foi realizado. Que as cores da Chapecoense e do Atlético, o verde e o branco, sejam da esperança e da paz“. Ao final do discurso, feito com voz embargada e várias vezes interrompido pelo choro, o ministro foi ovacionado pelos colombianos.
Quem também fez um discurso emocionante e muito aplaudido foi o técnico do Atlético Nacional, Reinaldo Rueda. Ele citou com admiração jogadores históricos do futebol brasileiro e, sem precisar ler em nenhum momento, nomeou um a um todos os jogadores da Chapecoense.
“Obrigado ao Brasil, obrigado ao futebol brasileiro por tudo o que ensinou. Todos crescemos durante muitos anos vendo essa seleção no Mundial. Sempre fomos torcedores do Brasil, deste futebol brasileiro, deste futebol que gostamos, deste futebol que faz a Chapecoense, que faz o Atlético Nacional, do qual nos nutrimos e aprendemos. Assim como admiramos o futebol brasileiro, essa Chapecoense sempre estará em nossos corações“.
Perto do final das homenagens, crianças vestindo o uniforme da Chapecoense soltaram balões brancos enquanto era anunciado ao microfone o nome de cada uma das vítimas fatais do acidente.
Em seguida, acompanhados pela leitura da mensagem de solidariedade e condolências enviada pelo Papa Francisco, helicópteros que tinham participado do resgate dos sobreviventes lançaram pétalas de flores sobre o gramado do Atanasio Girardot, agora uma segunda casa da Chapecoense.
Nos arredores do estádio, a torcida ainda depositava flores e velas, cuidando até de reacender as que se apagavam. Cerca de 40 mil tinham conseguido entrar na arena. Outros cerca de 110 mil se uniram à homenagem do lado de fora.
Ao mesmo tempo, em Chapecó, os torcedores locais da Chapecoense também lotaram arquibancadas, gramado e arredores da Arena Condá para uma celebração religiosa ecumênica pelos falecidos e sobreviventes, igualmente emocionante e entremeada de aplausos, cânticos e muitas lágrimas.
Na noite triste e bela em que Chapecó e Medellín se tornaram a mesma cidade, o Brasil e a Colômbia se descobriram mais irmãos do que nunca e o esporte mundial reforçou com espontaneidade a sua verdadeira razão de existir.
Que o jogo bonito prossiga! #ForçaChape.
Fonte: Aleteia